Livro OS OLHOS DO CORAÇÃO, Augustino Chaves



PREFÁCIO

Dizia Gandhi que o mundo que queremos o temos que fazer em s mesmos. Um dos artigos com que nos brinda Augustino, intitulado O contraditório, nos conta que as chaves para consegui-lo estão no xadrez, como num espelho da vida: para cada lance das brancas, um lance das negras, as maiores dificuldades nos aprimoram, o contrário nos ensina ou nos treina.

Na atualidade, vivendo a segunda cada de atividade como juiz, havendo sofrido no passado e na própria pele dois roubos com pistola na cabeça, Augustino sente que o direito penal e a carceragem são necessários em casos graves”, porém as respostas do direito penal lhe parecem insuficientes: O direito penal jamais melhorou nada, jamais diminuiu os índices de criminalidade”.

Tudo o que temos vivido e sentido nos faz ser como somos. Todas as experiências da vida têm sua função. Isso impulsiona o estado da consciência. Apagar qualquer das experiências nos converteria em outras pessoas. Nosso coração o sabe, talvez a mente também. Lendo a obra de Augustino Chaves, percebemos que nos encontramos ante uma pessoa com profunda consciência. Suas sentenças não são fruto da aplicação cartesiana dos manuais de direito, condenando matematicamente os réus. Ao contrário, fazendo uso de seu profundo conhecimento de direito, não dissocia sua vasta cultura humanista, crê no que faz, sente prazer no ato de concentrar-se para resolver e, colocando seus dons e talentos no caminho do coração”, o resultado não poderia ser outro diferente dos exemplos de sentenças editadas neste livro.

Certamente, segundo a matemática e pianista francesa Annie Marquier, investigadora da consciência, o coração tem cérebro. Um sistema nervoso independente e bem desenvolvido com mais de 40 mil neurônios e uma completa e intrincada rede de neurotransmissores, proteínas e células de apoio. O campo eletromagnético do coração é o mais potente de todos os órgãos do corpo, 5 mil vezes mais intenso que o do rebro. Segundo a investigadora, o campo magnético do coração se estende ao redor do corpo entre dois e quatro metros, ou seja, todos os que nos rodeiam recebem a informação energética contida em nosso coração.

Viver em coerência com o que se é. A experiência de perder o pai repentinamente em um acidente, à idade de dez anos, informou sem concessões ao jovem Augustino sobre a transitoriedade da vida e as coisas principais e secundárias. Antes a família havia tido a ocasião de conviver durante meses com os índios Tremembé, de Almofala (Ceará), onde o pai, antropólogo, realizava detalhada pesquisa e Augustino aprendeu a lição de que uma cultura nunca é superior a outra. Em uma entrevista, contava: “[...] ainda na infância, uma visita com meu pai a uma indústria e a surpresa em saber que o empresário recebia financiamento do Estado. Custei a entender. Acompanhei, daí para frente, o entrelaçamento do capital, e dos monopólios, com o Estado [...]”.

O comentário era claramente premonitório do que está ocorrendo com a mudança de milênio, ou a transformação do capitalismo através da revolução tecnológica no século XXI, além da preponderância da economia especulativa ante a economia da produção e do trabalho, nascida da Revolução Industrial do século XIX. Ocorreu uma mudança do eixo setorial industrial para o financeiro, em que os intermediários” (o banco) passaram a ser os donos e senhores do sistema. Este é um poder ao qual se veem submetidos os cidadãos, mediante o desenho das crises, a bancarrota das receitas públicas e o amulo de uma enorme dívida pública que esse poder provoca, alimenta, financia e refinancia.

Grupos vulneráveis. As transformações na sociedade vêm impulsionadas pelos grupos mais vulneráveis de uma realidade econômica e política, que os leva a sofrer os mais fortes embates da violência: o desemprego, a pobreza, a marginalização e a exclusão.

Esses grupos podem ser em primeiro lugar os jovens, as mulheres e os homossexuais, por dificuldades para se inserirem no sistema escolar ou no mercado de trabalho (no caso das mulheres, por sua histórica subordinação em relação aos homens).

Em segundo lugar, os chamados pobres, por sofrerem mais fortemente o impacto do desemprego ou do subemprego, pelas precárias condões em que vivem. Por último, e em terceiro lugar, a população negra e mestiça. Suas formas de inserção laboral e em geral suas condições de vida são evidências dos processos de segregação simbólica e das práticas sociais discriminantes de que são vítimas. De fato, ser mulher, jovem, pobre e negra-mestiça pode constituir maior grau de vulnerabilidade.

Lendo as sentenças de Augustino Chaves, que frequentemente tem como acusados indivíduos pertencentes a esses grupos que temos chamado vulneráveis”, encontramos um estilo cuidadoso, utilizando as palavras como tinta no pincel. O juiz pinta um quadro que nos permite a reconciliação com nossa espécie. Decisões seguras e corajosas, provavelmente pensadas muito pensadas – com o coração.

Por outro lado, encontramos importante sintonia das decisões judiciais de Augustino Chaves, no âmbito do tráfico de drogas, com a hipotética legalização defendida pelo catedrático de direito penal da Universidade Carlos III (Madrid), Francisco Javier Álvarez, em seu livro "La necesidad de un cambio de paradigma en el tráfico de drogas: la urgencia de su legalización", no qual aborda o problema que a proibição planetária em matéria de drogas tem criado, fundamentalmente nos países produtores e de trânsito (caso do Brasil), situando-os em uma posição de desigualdade com respeito aos países consumidores. A maior beneficiada com essa proibição, além das organizações criminosas, é a política exterior dos Estados Unidos, pois utiliza esse caminho para inspecionar e condicionar o desenvolvimento dos países produtores. Neste caso, dos países latino-americanos, evidenciando que o enorme dano que está produzindo essa política repressiva não compensa os hipotéticos benefícios que poderia causar”.

Temos a certeza de que os textos recolhidos neste livro, de excelente qualidade na forma e no conteúdo, vão surpreender não só os conhecedores da área jurídica, estudantes ou profissionais, assim como o grande público. Compartilhando o trabalho desenvolvido, tecido cuidadosamente durante anos, que representa uma importante contribuição do Ceará para o direito da federação. Toda uma lição de vida.

Augustino Chaves, Juiz Federal.

Conhecemos as pessoas por sua vida e por sua obra. Para entender melhor a ação deste administrador da Justiça, nada como utilizar suas próprias palavras, mostrando luzes e sombras de nossa espécie:

"Em nossa saga, habitando o planetinha Terra, construímos uma mega estrutura, inteligência coletiva, inacreditável, estupenda, inúmeras obras de engenharia, não  poucas  colossais, avanço da medicina, a cura alcançando milagres, uma estrela urbana brilhando, batizada de Paris, arquiteturas políticas e jurídicas na busca de convivência razvel, conquista dos mares e dos céus, a vigência do inconsciente, uma rede de comunicação informatizada à semelhança dos filmes de ficção, e arte, belas artes, profusão de artes."

Para completar o retrato dual, sugere também o lado obscuro: "Mas temos que prestar contas e fitar de frente o nosso passivo, igualmente inacreditável: o ataque ao outro. É desse lado, que equivale ao mais macabro filme de terror, de desespero, que encontramos o direito penal e seu desdobramento inevitável: o encarceramento." 

Acreditamos também que é importante render uma homenagem muito justificada à Universidade Federal do Ceará, e para isso nada melhor que dar espaço às seguintes palavras do professor Ítalo Gurgel sobre o livro:

Duas das sentenças transcritas dizem respeito à Universidade Federal do Ceará.Em uma delas,o Juiz se pronuncia sobre liminar impetrada por candidata reprovada no vestibular, mais precisamente, na prova de Redação; na outra, ele perdoa um cidadão que furtou livros da biblioteca da área de Ciências Humanas. Independentemente do rumo que tomou a decisão judicial, os dois textos deixam a lição de que, mesmo não havendo convergência na interpretação dos fatos dada pelo Juiz e pela instituição de Ensino Superior, os casos levados aos tribunais podem ser enriquecedores para os que fazem a Universidade, uma vez que introduzem novas abordagens para antigas questões [...]

Sua aplicação do Direito contém igualmente sua concepção humanista da vida, levando-o a executar seu mandato de modo a representar a cidadania propriamente dita, e não apenas em defesa de uma minoria privilegiada que constitui a poderosa elite brasileira. Ele nos permite adivinhar suas expectativas no seguinte parágrafo, tirado do contexto: Tive um sonho: o de ser juiz; esse sonho foi realizado e me basta’.

Texto: Francisco Lara MoraProdutor Cultural.

 

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